Enfermagem Pediátrica
Conteúdo sobre cuidados de enfermagem em pediatria e neonatologia.
A Atuação do Enfermeiro na Primeira Hora de Vida do Recém-Nascido
A primeira hora de vida do recém-nascido (RN) representa um período crítico de adaptação à vida extrauterina, sendo conhecida como "Hora Dourada" ou "Golden Hour". Durante este momento, a atuação do enfermeiro é fundamental para garantir não apenas a sobrevivência, mas também o estabelecimento de condições ideais para o desenvolvimento saudável do bebê. Este texto aborda os principais aspectos da assistência de enfermagem neste período crucial, destacando práticas baseadas em evidências científicas e recomendações oficiais.
Contextualização da Importância da Primeira Hora
O nascimento marca a transição do ambiente intrauterino para o extrauterino, exigindo adaptações fisiológicas complexas e rápidas do recém-nascido. O parto e o nascimento abrangem uma compreensão de valores, crenças e culturas relacionadas à mulher e ao bebê, devendo ser compreendidos como eventos singulares e não reduzidos a ações meramente mecânicas. Neste contexto, a primeira hora após o nascimento representa uma janela de oportunidade única para intervenções que podem impactar significativamente a saúde imediata e futura do recém-nascido.
A assistência de enfermagem neste período deve ser integral, humanizada e baseada em evidências científicas, respeitando a fisiologia do nascimento e promovendo o vínculo entre mãe e bebê. O enfermeiro, como membro da equipe de saúde, assume papel de liderança na coordenação dos cuidados e na implementação de práticas que favoreçam a adaptação do recém-nascido à vida extrauterina.
Avaliação Inicial e Cuidados Imediatos
Ao nascer, o recém-nascido deve ser avaliado quanto à sua vitalidade através do índice de Apgar, que considera cinco parâmetros: frequência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, irritabilidade reflexa e coloração da pele. Esta avaliação é realizada no primeiro e quinto minutos de vida, podendo ser estendida até o décimo minuto em casos de baixa pontuação inicial. O enfermeiro deve estar atento a esta avaliação, registrando os valores e identificando prontamente situações que demandem intervenções imediatas.
Além do Apgar, o enfermeiro deve realizar uma avaliação geral do recém-nascido, observando aspectos como a presença de malformações visíveis, integridade da pele, padrão respiratório, coloração e atividade motora. Esta avaliação permite identificar precocemente condições que necessitem de atenção especializada.
Nos casos de recém-nascidos com boa vitalidade, os procedimentos invasivos e potencialmente estressantes devem ser postergados para depois da primeira hora de vida, priorizando o contato pele a pele e o início precoce da amamentação. Já nos casos que demandam reanimação neonatal, o enfermeiro deve estar capacitado para iniciar as manobras conforme protocolos estabelecidos, garantindo a segurança e efetividade das intervenções.
Práticas Recomendadas na Primeira Hora de Vida
Contato Pele a Pele
Uma das principais intervenções recomendadas na primeira hora de vida é o contato pele a pele entre mãe e bebê. Esta prática consiste em colocar o recém-nascido nu, em posição prona, diretamente sobre o tórax ou abdome da mãe, também desnudo, cobrindo ambos com um campo seco e aquecido.
O contato pele a pele proporciona diversos benefícios, como a manutenção da temperatura corporal do recém-nascido, a colonização da pele do bebê com a microbiota materna, a redução do estresse da transição para a vida extrauterina, a facilitação do início da amamentação e o fortalecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho. O enfermeiro deve promover este contato pelo tempo mínimo de uma hora, desde que mãe e bebê estejam estáveis, orientando a mãe sobre a importância desta prática e auxiliando no posicionamento adequado.
Clampeamento Oportuno do Cordão Umbilical
O clampeamento do cordão umbilical é outro procedimento importante na primeira hora de vida. Atualmente, recomenda-se o clampeamento oportuno (tardio) do cordão, que deve ser realizado após cessarem as pulsações ou, no mínimo, após 1 a 3 minutos do nascimento para recém-nascidos a termo com boa vitalidade.
Para recém-nascidos a partir de 34 semanas ou a termo com boa vitalidade, recomenda-se o clampeamento a partir de 60 segundos. Para os que nasceram antes de 34 semanas de gestação, indica-se o clampeamento após 30 segundos do nascimento. É importante ressaltar que, para recém-nascidos que necessitam de reanimação ao nascer, a prioridade é realizar os procedimentos de reanimação, não havendo evidências claras sobre o benefício do clampeamento oportuno nestes casos.
O clampeamento oportuno do cordão umbilical proporciona ao recém-nascido um aporte adicional de sangue proveniente da placenta, aumentando as reservas de ferro e reduzindo o risco de anemia nos primeiros meses de vida. O enfermeiro deve estar atento ao momento adequado para realizar este procedimento, considerando as condições clínicas do recém-nascido e as recomendações vigentes.
Aleitamento Materno na Primeira Hora
O início precoce do aleitamento materno, preferencialmente na primeira hora de vida, é uma prática fortemente recomendada e que traz inúmeros benefícios tanto para o recém-nascido quanto para a mãe. Esta prática está associada a maior sucesso na amamentação, maior duração do aleitamento materno exclusivo, melhor estabelecimento do vínculo afetivo e redução da mortalidade neonatal.
O enfermeiro desempenha papel fundamental no incentivo, apoio e orientação para o início da amamentação na primeira hora de vida. Deve-se observar e auxiliar no posicionamento adequado do bebê, na pega correta e no manejo de eventuais dificuldades iniciais. É importante que o enfermeiro esteja atento aos sinais de prontidão do recém-nascido para mamar, como movimentos de busca, sucção de mãos e dedos, e movimentos da boca.
Nos casos em que o aleitamento materno direto não é possível na primeira hora, como em situações de instabilidade materna ou neonatal, o enfermeiro deve orientar sobre a importância da ordenha precoce do colostro para oferta posterior ao recém-nascido, assim que as condições clínicas permitirem.
Prevenção da Hipotermia
A manutenção da temperatura corporal do recém-nascido é um aspecto crucial na primeira hora de vida, pois a hipotermia está associada a aumento da morbimortalidade neonatal. Para cada queda de 1°C na temperatura corporal do RN, aumenta-se em 28% a mortalidade neonatal e em 11% o risco de sepse tardia.
O enfermeiro deve implementar medidas para prevenir a perda de calor, como secar o recém-nascido imediatamente após o nascimento, promover o contato pele a pele, utilizar campos aquecidos, manter a temperatura ambiente adequada (entre 24°C e 26°C) e evitar correntes de ar na sala de parto. Em recém-nascidos prematuros ou de baixo peso, medidas adicionais podem ser necessárias, como o uso de sacos plásticos estéreis, toucas e colchões térmicos.
A monitorização da temperatura axilar deve ser realizada periodicamente, especialmente nos primeiros minutos após o nascimento, para identificar precocemente situações de hipotermia e implementar medidas corretivas.
Cuidados com a Pele
A pele do recém-nascido, especialmente do prematuro, é delicada e suscetível a lesões e infecções. Na primeira hora de vida, os cuidados com a pele devem ser realizados de forma cuidadosa, evitando-se o uso desnecessário de produtos potencialmente irritantes.
O banho de rotina deve ser postergado para após a estabilização térmica do recém-nascido, preferencialmente após as primeiras 24 horas de vida, para preservar o vérnix caseoso e a flora bacteriana protetora. Na primeira hora, a limpeza deve se restringir à remoção de sangue e secreções visíveis, utilizando-se compressas macias e água morna, se necessário.
O enfermeiro deve avaliar a integridade da pele do recém-nascido, identificando lesões, manchas ou alterações que possam indicar condições patológicas ou traumas relacionados ao parto.
Administração de Vitamina K
A administração de vitamina K é recomendada para todos os recém-nascidos como profilaxia da doença hemorrágica do recém-nascido. Esta intervenção, embora importante, pode ser realizada após a primeira hora de vida, priorizando-se o contato pele a pele e o início da amamentação.
O enfermeiro deve preparar e administrar a vitamina K na dose recomendada (1 mg para recém-nascidos a termo e 0,5 mg para prematuros), via intramuscular, no músculo vasto lateral da coxa, utilizando técnica asséptica e minimizando a dor através de medidas não farmacológicas, como o contato pele a pele e a amamentação durante o procedimento.
Profilaxia da Oftalmia Neonatal
A profilaxia da oftalmia neonatal com pomada de eritromicina ou tetraciclina a 1% é recomendada para todos os recém-nascidos. Assim como a vitamina K, este procedimento pode ser postergado para após a primeira hora de vida, permitindo que o recém-nascido estabeleça contato visual com a mãe durante o contato pele a pele.
O enfermeiro deve realizar a aplicação da pomada oftálmica em ambos os olhos, utilizando técnica asséptica e orientando os pais sobre o objetivo do procedimento e a possível ocorrência de turvação visual temporária após a aplicação.
Documentação e Registro
O registro detalhado das condições do recém-nascido e das intervenções realizadas na primeira hora de vida é parte fundamental da assistência de enfermagem. O enfermeiro deve documentar de forma clara e objetiva as avaliações realizadas, os procedimentos executados, as respostas do recém-nascido às intervenções e as orientações fornecidas aos pais.
Esta documentação serve como referência para o acompanhamento posterior do recém-nascido, como instrumento legal e como fonte de dados para avaliação da qualidade da assistência prestada. Recomenda-se o uso de instrumentos padronizados para o registro, como formulários específicos ou sistemas eletrônicos, que contemplem todos os aspectos relevantes da assistência na primeira hora de vida.
Considerações Finais
A atuação do enfermeiro na primeira hora de vida do recém-nascido é complexa e multifacetada, exigindo conhecimentos técnico-científicos, habilidades práticas e sensibilidade para compreender as necessidades do binômio mãe-bebê neste momento único. As práticas baseadas em evidências, como o contato pele a pele, o clampeamento oportuno do cordão umbilical e o início precoce da amamentação, devem ser priorizadas, adaptando-se às condições clínicas de cada recém-nascido.
O enfermeiro, como membro da equipe de saúde mais próximo ao paciente, tem a oportunidade de influenciar positivamente a transição do recém-nascido para a vida extrauterina, contribuindo para desfechos favoráveis a curto e longo prazo. Para isso, é fundamental a atualização constante, a reflexão sobre a prática e o compromisso com a qualidade e humanização da assistência.
A implementação das boas práticas na primeira hora de vida do recém-nascido representa um investimento na saúde e no desenvolvimento infantil, com impactos que se estendem muito além deste período inicial, refletindo-se ao longo de toda a vida do indivíduo.
Referências
- Lins, I. E. M., Medeiros, F. C., Amaral, J. P. M., Souza, E. G., Barros, A. C., Evaristo, L. R. F., ... & Severiano, A. R. G. (2023). Boas práticas de enfermagem na primeira hora de vida do recém-nascido: uma revisão integrativa. Revista FT, 27(123).
- Ministério da Saúde. (2012). Atenção à saúde do recém-nascido: guia para os profissionais de saúde. Brasília: Ministério da Saúde.
- Portal de Boas Práticas em Saúde da Mulher, Criança e Adolescente. (2023). Principais Questões sobre Cuidados de Enfermagem com o RN de Risco: os 10 passos para o Cuidado Neonatal. Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz/Ministério da Saúde.