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Cursos Enfermagem Neonatal Módulo 2

Módulo 2: Avaliação do Recém-Nascido

A avaliação sistemática do recém-nascido é uma competência fundamental para o enfermeiro neonatal, permitindo a identificação precoce de alterações e a implementação de intervenções apropriadas. Este módulo aborda os princípios e técnicas para uma avaliação abrangente, desde o primeiro minuto de vida até o período neonatal tardio.

Avaliação Imediata ao Nascimento

A avaliação imediata ao nascimento é crucial para identificar recém-nascidos que necessitam de intervenções de reanimação ou cuidados especiais. Inclui a avaliação rápida da vitalidade e a classificação do risco neonatal.

Escore de Apgar

O escore de Apgar, desenvolvido pela Dra. Virginia Apgar em 1952, avalia cinco parâmetros fisiológicos: frequência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, irritabilidade reflexa e coloração. Cada parâmetro recebe uma pontuação de 0 a 2, totalizando de 0 a 10 pontos.

Parâmetro 0 pontos 1 ponto 2 pontos
Frequência cardíaca Ausente < 100 bpm ≥ 100 bpm
Esforço respiratório Ausente Irregular, lento Regular, choro forte
Tônus muscular Flácido Flexão parcial de extremidades Movimentação ativa, boa flexão
Irritabilidade reflexa Sem resposta Careta, resposta débil Choro vigoroso, espirro, tosse
Coloração Pálido/cianótico Corpo rosado, extremidades cianóticas Completamente rosado

O escore é avaliado no 1º, 5º e, se necessário, 10º minuto após o nascimento. Interpretação:

  • 7-10: Boa adaptação, geralmente não requer intervenções além dos cuidados de rotina
  • 4-6: Depressão moderada, pode necessitar de assistência ventilatória
  • 0-3: Depressão grave, requer reanimação imediata

Conceito-Chave: Limitações do Escore de Apgar

Embora valioso, o escore de Apgar apresenta limitações importantes:

  • Não deve ser usado isoladamente para determinar necessidade de reanimação
  • Pode ser influenciado por fatores como prematuridade, medicações maternas e condições congênitas
  • Não prediz com precisão desfechos neurológicos a longo prazo
  • A decisão de iniciar manobras de reanimação deve ser baseada na avaliação da respiração e frequência cardíaca, não aguardando o cálculo do escore

Exame Físico Sistemático do Recém-Nascido

O exame físico completo deve ser realizado nas primeiras 24 horas de vida e repetido diariamente durante a internação. Deve seguir uma sequência sistemática, geralmente do céfalo para o caudal, com adaptações conforme a estabilidade do RN.

Dica Clínica: Preparação para o Exame

Para um exame físico eficaz e seguro:

  • Realize o exame em ambiente aquecido (24-26°C)
  • Prepare todo o material necessário previamente
  • Higienize as mãos antes e após o procedimento
  • Exponha apenas a área a ser examinada, mantendo o restante do corpo coberto
  • Observe o RN inicialmente sem perturbá-lo (respiração, postura, coloração, atividade)
  • Deixe procedimentos potencialmente estressantes (ausculta, palpação abdominal) para o final
  • Documente imediatamente os achados

1. Avaliação dos Sinais Vitais

Os parâmetros vitais do recém-nascido diferem significativamente dos pediátricos e adultos:

  • Frequência cardíaca: 120-160 bpm (pode variar de 100-180 bpm durante choro ou sono)
  • Frequência respiratória: 40-60 irpm (padrão irregular é comum)
  • Temperatura axilar: 36,5-37,5°C
  • Pressão arterial: Varia conforme idade gestacional e peso (média em RN termo: 65-95/30-60 mmHg)
  • Saturação de oxigênio: ≥ 95% após estabilização (valores menores podem ser aceitáveis nas primeiras horas)

Atenção! Bradicardia (FC < 100 bpm) e taquicardia sustentada (FC > 180 bpm) são sinais de alerta que exigem avaliação imediata. Apneia por mais de 20 segundos ou associada à bradicardia/dessaturação é uma emergência.

2. Avaliação Antropométrica

As medidas antropométricas são essenciais para classificação do RN e identificação de desvios do crescimento:

  • Peso: Média em RN termo: 3.000-3.500g (variação normal: 2.500-4.000g)
  • Comprimento: Média em RN termo: 48-52 cm
  • Perímetro cefálico: Média em RN termo: 33-35 cm
  • Perímetro torácico: Média em RN termo: 30-33 cm (geralmente 2-3 cm menor que o perímetro cefálico)

Estas medidas devem ser plotadas em curvas de crescimento apropriadas para idade gestacional e sexo.

3. Exame Físico por Sistemas

Pele e Anexos:

  • Coloração: Rosada (avaliar presença de cianose, palidez, icterícia, pletora)
  • Textura: Lisa, elástica (avaliar turgor cutâneo)
  • Integridade: Verificar lesões, marcas de parto, equimoses
  • Vérnix caseoso: Substância esbranquiçada que recobre a pele, mais abundante em RN pré-termo
  • Lanugo: Pelos finos, mais abundantes em prematuros
  • Manchas: Mongólicas (azuladas em região sacral), manchas salmão (nuca, pálpebras), hemangiomas
  • Millium sebáceo: Pequenos pontos brancos no nariz e queixo (glândulas sebáceas)
  • Eritema tóxico: Erupção papular eritematosa benigna e transitória

Cabeça:

  • Formato: Avaliar molde do parto, assimetrias
  • Fontanelas: Anterior (bregmática) - losangular, 2-3 cm; Posterior (lambdoide) - triangular, 0,5-1 cm
  • Suturas: Verificar cavalgamento, separação excessiva
  • Bossa serossanguínea: Edema difuso que ultrapassa suturas (parto vaginal)
  • Cefalohematoma: Coleção sanguínea subperiosteal, limitada por suturas

Face:

  • Simetria: Avaliar durante choro e repouso
  • Olhos: Edema palpebral, hemorragias conjuntivais (comuns), reflexo vermelho, secreções
  • Nariz: Permeabilidade das narinas (obrigatório verificar)
  • Boca: Integridade do palato, freios labiais, presença de dentes natais
  • Orelhas: Implantação, malformações

Pescoço:

  • Mobilidade: Avaliar amplitude de movimentos
  • Massas: Verificar presença de bócio, cistos
  • Torcicolo congênito: Contratura do esternocleidomastoideo

Tórax:

  • Formato: Cilíndrico, simétrico
  • Mamilos: Posição, presença de ingurgitamento mamário fisiológico
  • Respiração: Padrão, uso de musculatura acessória, retrações
  • Ausculta pulmonar: Entrada de ar bilateral, presença de ruídos adventícios
  • Ausculta cardíaca: Ritmo, frequência, sopros (funcionais são comuns nas primeiras 24-48h)

Abdome:

  • Inspeção: Forma (levemente protuberante), circulação colateral, distensão
  • Ausculta: Ruídos hidroaéreos presentes
  • Palpação: Fígado (1-2 cm abaixo do rebordo costal direito), baço (ponta palpável), rins
  • Coto umbilical: Número de vasos (2 artérias, 1 veia), sinais de infecção

Dica Clínica: Coto Umbilical

A presença de apenas uma artéria umbilical (ao invés de duas) está associada a maior incidência de malformações renais e cardíacas, exigindo investigação adicional. O coto deve ser mantido limpo e seco, com limpeza diária com álcool a 70% até sua queda (7-15 dias).

Genitália e Ânus:

  • Feminina: Grandes e pequenos lábios, clitóris, secreção vaginal esbranquiçada ou sanguinolenta (pseudomenstruação) - normais
  • Masculina: Pênis (tamanho, posição do meato uretral), testículos (presença na bolsa escrotal), hidrocele (comum)
  • Ânus: Permeabilidade (obrigatório verificar), fissuras

Extremidades:

  • Simetria: Movimentos, comprimento
  • Mãos e pés: Número de dedos, pregas palmares, pé torto
  • Clavículas: Integridade (fraturas são comuns em partos difíceis)
  • Quadril: Manobras de Ortolani e Barlow para displasia

Coluna Vertebral:

  • Alinhamento: Verificar curvaturas anormais
  • Integridade: Ausência de massas, tufos de pelos, fossetas ou seios dérmicos

4. Avaliação Neurológica

A avaliação neurológica do RN inclui observação do estado comportamental, tônus, postura e reflexos primitivos:

Estados Comportamentais:

  • Sono profundo
  • Sono leve (REM)
  • Sonolência
  • Alerta tranquilo (ideal para exame)
  • Alerta ativo
  • Choro

Reflexos Primitivos:

  • Moro: Abdução e extensão dos membros seguida de adução e flexão em resposta a estímulo súbito
  • Preensão palmar e plantar: Flexão dos dedos ao estímulo na palma/planta
  • Busca e sucção: Rotação da cabeça em direção ao estímulo perioral e sucção vigorosa
  • Marcha automática: Movimentos de passos quando colocado em posição vertical
  • Tônico-cervical assimétrico: "Posição de esgrima" ao girar a cabeça para um lado

Conceito-Chave: Significado dos Reflexos

Os reflexos primitivos são mediados pelo tronco cerebral e devem estar presentes em RNs saudáveis. Sua ausência, assimetria ou persistência além do período esperado podem indicar comprometimento neurológico. A avaliação seriada é mais informativa que uma única avaliação.

Avaliação da Dor no Recém-Nascido

A dor neonatal foi historicamente subestimada, mas hoje sabe-se que RNs, mesmo prematuros, sentem dor e podem sofrer consequências a longo prazo da exposição repetida a estímulos dolorosos sem analgesia adequada.

Escalas validadas para avaliação da dor incluem:

  • NIPS (Neonatal Infant Pain Scale): Avalia expressão facial, choro, padrão respiratório, movimentos de braços e pernas, estado de alerta
  • PIPP (Premature Infant Pain Profile): Inclui parâmetros comportamentais e fisiológicos, com ajuste para idade gestacional
  • CRIES: Avalia choro, necessidade de O₂, aumento de sinais vitais, expressão facial, sono

Dica Clínica: Manejo da Dor

Intervenções não-farmacológicas para alívio da dor em procedimentos menores:

  • Solução de glicose oral (0,5-2ml de glicose 25% 2 minutos antes do procedimento)
  • Sucção não-nutritiva (chupeta)
  • Contenção facilitada (enrolamento)
  • Contato pele a pele
  • Amamentação (quando possível)

Para procedimentos mais invasivos ou dor persistente, analgesia farmacológica deve ser considerada.

Referências Bibliográficas

  • Hockenberry, M. J., & Wilson, D. (2019). Wong's Nursing Care of Infants and Children (11th ed.). Elsevier.
  • Gardner, S. L., Carter, B. S., Enzman-Hines, M., & Hernandez, J. A. (2016). Merenstein & Gardner's Handbook of Neonatal Intensive Care (8th ed.). Elsevier.
  • American Academy of Pediatrics Committee on Fetus and Newborn. (2015). The Apgar Score. Pediatrics, 136(4), 819-822.
  • Sociedade Brasileira de Pediatria. (2018). Reanimação do recém-nascido ≥34 semanas em sala de parto: Diretrizes 2016 da Sociedade Brasileira de Pediatria.