Módulo 3: Cuidados com o Recém-Nascido de Risco
O cuidado ao recém-nascido de risco representa um dos maiores desafios da enfermagem neonatal, exigindo conhecimentos específicos, habilidades técnicas refinadas e sensibilidade para atender às necessidades únicas destes pacientes vulneráveis. Este módulo aborda os principais aspectos do cuidado ao RN prematuro e com outras condições de risco, com ênfase nas intervenções de enfermagem baseadas em evidências.
Prematuridade: Desafios e Cuidados
A prematuridade (nascimento antes de 37 semanas completas de gestação) é uma das principais causas de morbimortalidade neonatal. Quanto menor a idade gestacional, maiores os desafios fisiológicos e os riscos de complicações.
Conceito-Chave: Classificação da Prematuridade
- Prematuro extremo: Menos de 28 semanas
- Muito prematuro: 28 a 31 semanas e 6 dias
- Prematuro moderado: 32 a 33 semanas e 6 dias
- Prematuro tardio: 34 a 36 semanas e 6 dias
Esta classificação é importante para prever riscos específicos e planejar cuidados apropriados. Mesmo os prematuros tardios, que podem parecer fisicamente maduros, apresentam riscos significativamente maiores que os RNs a termo.
Características Anatômicas e Fisiológicas do Prematuro
O RN prematuro apresenta características específicas que o tornam mais vulnerável:
- Sistema Tegumentar: Pele fina, transparente, com pouca gordura subcutânea; maior permeabilidade e fragilidade; maior risco de lesões e perda de água transepidérmica
- Sistema Respiratório: Imaturidade pulmonar; deficiência de surfactante; caixa torácica complacente; musculatura respiratória fraca; controle respiratório imaturo com padrão periódico e apneias
- Sistema Cardiovascular: Maior risco de persistência do canal arterial; hipotensão; instabilidade vasomotora
- Sistema Neurológico: Fragilidade capilar na matriz germinativa (risco de hemorragia intraventricular); tônus diminuído; reflexos fracos ou ausentes; ciclos de sono-vigília desorganizados
- Sistema Gastrointestinal: Imaturidade da sucção e deglutição; peristaltismo reduzido; capacidade gástrica limitada; enzimas digestivas reduzidas; absorção comprometida
- Sistema Renal: Filtração glomerular reduzida; capacidade limitada de concentrar urina; maior risco de desequilíbrios hidroeletrolíticos
- Sistema Imunológico: Imaturidade da resposta imune; reservas de anticorpos maternos reduzidas; maior susceptibilidade a infecções
- Sistema Hematológico: Maior risco de anemia; alterações na coagulação
- Sistema Metabólico: Reservas de glicogênio limitadas; termogênese comprometida; metabolismo basal aumentado
Principais Complicações da Prematuridade
As complicações mais frequentes incluem:
Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR):
Causada principalmente pela deficiência de surfactante pulmonar, caracteriza-se por:
- Taquipneia, gemido expiratório, retrações intercostais e subcostais
- Batimento de asas nasais, cianose
- Necessidade de oxigenoterapia e, frequentemente, suporte ventilatório
Cuidados de Enfermagem na SDR
- Monitorização contínua dos sinais vitais e saturação de oxigênio
- Posicionamento adequado (leve elevação da cabeceira, evitar flexão excessiva do pescoço)
- Aspiração de vias aéreas conforme necessidade (técnica asséptica, apenas quando indicado)
- Administração de surfactante exógeno quando prescrito (assistência durante o procedimento)
- Cuidados com dispositivos de oxigenoterapia/ventilação (fixação adequada, prevenção de lesões)
- Monitorização de parâmetros ventilatórios e gasometria arterial
- Observação de sinais de piora (aumento do trabalho respiratório, dessaturação, cianose)
Apneia da Prematuridade:
Pausa respiratória ≥ 20 segundos ou de menor duração acompanhada de bradicardia e/ou cianose. Causada principalmente pela imaturidade do centro respiratório.
Cuidados de Enfermagem na Apneia
- Monitorização cardiorrespiratória contínua
- Posicionamento adequado (evitar flexão ou hiperextensão do pescoço)
- Estimulação tátil suave durante episódios (se não responder, iniciar ventilação com bolsa-válvula-máscara)
- Administração de metilxantinas (cafeína) conforme prescrição
- Manutenção de temperatura adequada (hipotermia e hipertermia aumentam risco de apneia)
- Alimentação cuidadosa (distensão abdominal pode precipitar apneias)
- Documentação precisa dos episódios (frequência, duração, intervenções necessárias)
Termorregulação Comprometida:
Prematuros têm maior dificuldade em manter a temperatura corporal devido a:
- Maior superfície corporal em relação ao peso
- Camada limitada de gordura subcutânea
- Capacidade limitada de produzir calor por termogênese sem tremor
- Postura em extensão (aumenta superfície de perda de calor)
- Controle vasomotor imaturo
Cuidados de Enfermagem na Termorregulação
- Monitorização frequente da temperatura axilar
- Uso de incubadoras ou berços aquecidos, ajustando conforme necessidade
- Manutenção da temperatura da UTIN entre 24-26°C
- Pré-aquecimento de superfícies, roupas e equipamentos que entrarão em contato com o RN
- Uso de touca, meias e luvas para reduzir perda de calor
- Agrupamento de cuidados para minimizar exposição
- Uso de filme plástico transparente em prematuros extremos
- Aquecimento de oxigênio e umidificação durante suporte respiratório
Nutrição do Prematuro:
A nutrição adequada é essencial para o crescimento e desenvolvimento, mas representa um desafio devido a:
- Imaturidade da sucção e deglutição (geralmente coordenadas após 34 semanas)
- Capacidade gástrica reduzida
- Absorção intestinal comprometida
- Necessidades calóricas e proteicas aumentadas
- Reservas nutricionais limitadas
Cuidados de Enfermagem na Nutrição
- Nutrição Parenteral:
- Cuidados com acesso venoso central (técnica asséptica, fixação adequada)
- Administração precisa (bomba de infusão, verificação de compatibilidades)
- Monitorização de complicações (infecção, infiltração, trombose)
- Proteção da solução da luz (especialmente aminoácidos e lipídios)
- Nutrição Enteral:
- Avaliação da prontidão para alimentação oral (reflexos, sinais de estresse)
- Alimentação por gavagem (técnica asséptica, verificação de posicionamento da sonda)
- Administração lenta, respeitando tolerância individual
- Posicionamento semi-elevado durante e após alimentação
- Monitorização de resíduos gástricos e sinais de intolerância
- Transição gradual para alimentação oral (técnicas de sucção não-nutritiva)
- Promoção do aleitamento materno (ordenha, armazenamento adequado)
Dica Clínica: Método Canguru
O Método Canguru (contato pele a pele) oferece múltiplos benefícios para prematuros estáveis:
- Estabilização da temperatura corporal
- Redução de episódios de apneia e bradicardia
- Melhora da oxigenação
- Promoção do aleitamento materno
- Redução do estresse e da dor
- Fortalecimento do vínculo pais-bebê
- Redução do tempo de internação
Incentive e oriente os pais sobre a técnica correta, começando com períodos curtos e aumentando gradualmente conforme tolerância do RN e confiança dos pais.
Outras Condições de Risco Neonatal
Além da prematuridade, outras condições podem classificar o RN como de alto risco, exigindo cuidados específicos:
Hipoglicemia Neonatal
Definida como glicemia < 40-45 mg/dL em RN a termo e < 45-50 mg/dL em prematuros. Grupos de risco incluem:
- Prematuros e pequenos para idade gestacional (reservas de glicogênio reduzidas)
- Grandes para idade gestacional e filhos de mães diabéticas (hiperinsulinismo)
- RNs com asfixia, hipotermia, sepse (aumento do consumo de glicose)
- RNs com erros inatos do metabolismo
Cuidados de Enfermagem na Hipoglicemia
- Monitorização frequente da glicemia capilar em RNs de risco
- Início precoce da alimentação (primeira hora de vida quando possível)
- Administração de glicose IV quando indicado (concentração e velocidade conforme prescrição)
- Observação de sinais clínicos (tremores, irritabilidade, letargia, apneia, convulsões)
- Manutenção da temperatura corporal adequada
- Documentação precisa de valores e intervenções
Icterícia Neonatal
Manifestação clínica da hiperbilirrubinemia, visível quando os níveis séricos de bilirrubina excedem 5-7 mg/dL. Pode ser classificada como:
- Fisiológica: Início após 24h, pico entre 3º-5º dia (termo) ou 5º-7º dia (pré-termo), níveis < 15 mg/dL
- Patológica: Início nas primeiras 24h, duração > 1 semana (termo) ou > 2 semanas (pré-termo), níveis > 15 mg/dL ou aumento > 5 mg/dL/dia
Atenção! Níveis elevados de bilirrubina não conjugada podem atravessar a barreira hematoencefálica e causar kernicterus (encefalopatia bilirrubínica), uma condição neurológica grave e potencialmente fatal. A identificação precoce e tratamento adequado são essenciais.
Cuidados de Enfermagem na Icterícia
- Avaliação sistemática da icterícia (progressão céfalo-caudal, coloração da pele e mucosas)
- Monitorização dos níveis de bilirrubina conforme protocolo
- Promoção da amamentação frequente (8-12 vezes/dia)
- Fototerapia quando indicada:
- Exposição máxima da superfície corporal (apenas fralda)
- Proteção ocular adequada (verificar posicionamento frequentemente)
- Monitorização da temperatura (risco de hipertermia)
- Aumento da oferta hídrica (risco de desidratação)
- Mudança de decúbito a cada 2-3 horas
- Verificação do funcionamento adequado das lâmpadas
- Observação de sinais de encefalopatia bilirrubínica (letargia, hipotonia, choro agudo, opistótono)
- Preparação para exsanguineotransfusão quando indicada
Distúrbios Respiratórios
Além da SDR, outros distúrbios respiratórios comuns incluem:
Taquipneia Transitória do Recém-Nascido (TTRN):
Causada pelo retardo na absorção do líquido pulmonar fetal, mais comum em cesáreas eletivas sem trabalho de parto. Caracteriza-se por taquipneia, leve desconforto respiratório e geralmente resolução em 24-72 horas.
Síndrome de Aspiração de Mecônio (SAM):
Ocorre quando o RN aspira líquido amniótico meconial, causando obstrução das vias aéreas, inativação do surfactante e pneumonite química. Mais comum em RNs pós-termo ou com sofrimento fetal.
Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-Nascido (HPPN):
Falha na transição da circulação fetal para neonatal, com persistência da alta resistência vascular pulmonar e shunt direita-esquerda. Pode ser primária ou secundária a outras condições (SAM, pneumonia, hipoplasia pulmonar).
Cuidados de Enfermagem nos Distúrbios Respiratórios
- Monitorização contínua (saturação, FC, FR, PA)
- Posicionamento adequado para otimizar ventilação
- Cuidados com dispositivos de oxigenoterapia/ventilação
- Aspiração de vias aéreas quando necessário (técnica asséptica)
- Administração de medicações (surfactante, óxido nítrico, sedativos, vasoativos)
- Minimização de estímulos (ruído, manipulação excessiva)
- Suporte nutricional adequado
- Prevenção de complicações (pneumotórax, displasia broncopulmonar)
Cuidado Desenvolvimental na UTIN
O ambiente da UTIN, embora necessário para a sobrevivência do RN de risco, pode ser fonte de estresse e estímulos nocivos ao desenvolvimento neurológico. O cuidado desenvolvimental visa minimizar estes impactos negativos e promover o desenvolvimento adequado.
Princípios do cuidado desenvolvimental:
- Controle de estímulos ambientais:
- Redução de ruídos (conversas em tom baixo, alarmes no volume mínimo necessário)
- Controle da iluminação (ciclos dia/noite, proteção ocular durante procedimentos)
- Minimização de odores fortes (álcool, perfumes)
- Posicionamento terapêutico:
- Contenção facilitada (ninhos, rolos, enrolamento)
- Alternância de decúbitos
- Posição flexionada, simulando posição intrauterina
- Prevenção de deformidades posturais
- Agrupamento de cuidados:
- Planejamento de intervenções para minimizar manipulações
- Respeito aos períodos de sono
- Avaliação de sinais de estresse durante procedimentos
- Manejo da dor:
- Avaliação sistemática com escalas apropriadas
- Medidas não-farmacológicas (sucção não-nutritiva, contenção, glicose oral)
- Analgesia farmacológica quando indicada
- Promoção do vínculo familiar:
- Acesso irrestrito dos pais à UTIN
- Incentivo ao toque, contato pele a pele, participação nos cuidados
- Comunicação clara e acolhedora
Conceito-Chave: Sinais de Estresse e Autorregulação
O RN comunica seu estado através de sinais comportamentais que devem ser reconhecidos pela equipe:
Sinais de estresse:
- Alterações fisiológicas: taquicardia, dessaturação, apneia
- Extensão de membros, arqueamento, hiperextensão
- Dedos em leque, mão em "pare"
- Caretas, choro, agitação
- Desvio do olhar, bocejos
Sinais de autorregulação/estabilidade:
- Estabilidade fisiológica
- Flexão de membros, mãos junto ao rosto
- Sucção, preensão
- Atenção visual/auditiva
- Sono organizado
A identificação destes sinais permite intervenções individualizadas e oportunas.
Referências Bibliográficas
- Gardner, S. L., Carter, B. S., Enzman-Hines, M., & Hernandez, J. A. (2016). Merenstein & Gardner's Handbook of Neonatal Intensive Care (8th ed.). Elsevier.
- Kenner, C., & Lott, J. W. (Eds.). (2014). Comprehensive Neonatal Nursing Care (5th ed.). Springer Publishing Company.
- Brasil. Ministério da Saúde. (2017). Atenção humanizada ao recém-nascido: Método Canguru - Manual Técnico (3ª ed.).
- American Academy of Pediatrics Subcommittee on Hyperbilirubinemia. (2004). Management of hyperbilirubinemia in the newborn infant 35 or more weeks of gestation. Pediatrics, 114(1), 297-316.
- Altimier, L., & Phillips, R. M. (2016). The Neonatal Integrative Developmental Care Model: Seven Neuroprotective Core Measures for Family-Centered Developmental Care. Newborn and Infant Nursing Reviews, 16(4), 230-244.