Módulo 4: Suporte Nutricional e Respiratório
O suporte nutricional e respiratório adequado é fundamental para a sobrevivência e desenvolvimento saudável do recém-nascido, especialmente daqueles em situação de risco. Este módulo aborda os princípios, técnicas e cuidados de enfermagem relacionados à nutrição neonatal e ao suporte respiratório, com ênfase nas particularidades fisiológicas deste período e nas intervenções baseadas em evidências.
Suporte Nutricional ao Recém-Nascido
A nutrição adequada no período neonatal é essencial para o crescimento, desenvolvimento neurológico e estabelecimento de funções imunológicas. As necessidades nutricionais do RN são proporcionalmente maiores que em qualquer outra fase da vida, devido ao rápido crescimento e desenvolvimento de órgãos e sistemas.
Necessidades Nutricionais do Recém-Nascido
As necessidades variam conforme idade gestacional, peso e condições clínicas:
Nutriente | RN a Termo | RN Pré-termo |
---|---|---|
Energia | 95-115 kcal/kg/dia | 110-130 kcal/kg/dia |
Proteínas | 2-3 g/kg/dia | 3,5-4,5 g/kg/dia |
Lipídios | 4,5-6 g/kg/dia | 5-7 g/kg/dia |
Carboidratos | 10-14 g/kg/dia | 11-16 g/kg/dia |
Fluidos | 150-175 ml/kg/dia | 150-200 ml/kg/dia |
Conceito-Chave: Crescimento Extrauterino
O objetivo nutricional para o RN prematuro é alcançar um crescimento semelhante ao intrauterino (15-20 g/kg/dia), sem impor estresse metabólico excessivo. A falha em atingir este objetivo pode resultar em restrição de crescimento extrauterino, com potenciais consequências a longo prazo para o desenvolvimento neurológico e metabólico.
Aleitamento Materno
O leite materno é o alimento ideal para o RN, fornecendo nutrientes em proporções adequadas, fatores imunológicos, enzimas digestivas e fatores de crescimento. Suas vantagens incluem:
- Composição adaptada às necessidades do RN (o colostro é particularmente rico em proteínas e fatores imunológicos)
- Melhor digestibilidade e biodisponibilidade de nutrientes
- Proteção contra infecções (IgA secretora, lactoferrina, lisozima)
- Redução do risco de enterocolite necrosante em prematuros
- Promoção do desenvolvimento cognitivo (ácidos graxos de cadeia longa)
- Fortalecimento do vínculo mãe-bebê
- Benefícios a longo prazo (redução de obesidade, diabetes, alergias)
Cuidados de Enfermagem no Aleitamento Materno
- Avaliação da prontidão para amamentação:
- Estabilidade clínica do RN
- Maturidade dos reflexos orais (busca, sucção, deglutição)
- Coordenação sucção-deglutição-respiração (geralmente presente após 34 semanas)
- Orientação e apoio à mãe:
- Técnica correta de posicionamento e pega
- Reconhecimento de sinais de fome e saciedade
- Frequência e duração das mamadas (8-12 vezes/dia, sem restrição de tempo)
- Prevenção e manejo de problemas comuns (ingurgitamento, fissuras)
- Ordenha e armazenamento do leite materno:
- Técnica de ordenha manual e com bomba
- Frequência recomendada (a cada 3 horas durante o dia, a cada 4-5 horas à noite)
- Armazenamento seguro (refrigeração: 24-48h; congelamento: até 3-6 meses)
- Descongelamento e aquecimento adequados (banho-maria, nunca microondas)
- Transição para amamentação direta em prematuros:
- Início com sucção não-nutritiva durante gavagem
- Contato pele a pele (Método Canguru) para familiarização com o seio
- Tentativas curtas e progressivas, respeitando sinais de estresse
- Uso de técnicas facilitadoras (posição "bola de rugby", suporte de mama)
Nutrição Enteral
A nutrição enteral é indicada quando o RN não pode ser alimentado diretamente ao seio ou quando a ingestão oral é insuficiente. Pode ser administrada por:
- Sonda orogástrica/nasogástrica: Para uso de curto a médio prazo
- Sonda transpilórica: Em casos de esvaziamento gástrico retardado ou refluxo grave
- Gastrostomia: Para uso prolongado (geralmente após período neonatal)
As opções de dieta enteral incluem:
- Leite materno: Preferencial, pode ser fortificado para prematuros
- Fórmula para prematuros: Maior densidade calórica e proteica
- Fórmula para RN a termo: Quando leite materno não disponível
- Fórmulas especiais: Para condições específicas (alergia, erros inatos do metabolismo)
Técnica de Gavagem (Alimentação por Sonda)
- Preparação: Higienização das mãos, verificação da prescrição (volume, tipo de leite, frequência)
- Posicionamento do RN: Decúbito lateral direito ou dorsal com cabeceira elevada 30-45°
- Verificação do posicionamento da sonda: Aspiração de conteúdo gástrico e verificação de pH (< 5)
- Verificação de resíduo gástrico: Aspirar conteúdo e avaliar volume e características
- Se < 2-3 ml ou < 50% da alimentação anterior: reintroduzir e prosseguir
- Se > 50% da alimentação anterior: avaliar características e conduta conforme protocolo
- Administração do leite: Lenta, por gravidade (15-20 minutos), nunca em bolo rápido
- Manutenção do posicionamento: Manter elevação por 30 minutos após alimentação
- Documentação: Volume administrado, resíduo, tolerância, intercorrências
Dica Clínica: Nutrição Enteral Mínima
A nutrição enteral mínima (trófica) consiste na administração de pequenos volumes (10-20 ml/kg/dia) sem objetivo nutricional, mas para estimular o desenvolvimento e maturação intestinal. Indicada para prematuros extremos ou RNs instáveis, pode reduzir o tempo para atingir nutrição enteral plena e o risco de complicações como enterocolite necrosante.
Nutrição Parenteral
A nutrição parenteral (NP) é indicada quando a via enteral não é possível ou suficiente, especialmente em prematuros extremos, RNs com malformações gastrointestinais ou instabilidade hemodinâmica grave. Fornece nutrientes diretamente na circulação sanguínea, evitando o trato gastrointestinal.
Componentes da NP:
- Aminoácidos: Essenciais para crescimento e desenvolvimento
- Glicose: Principal fonte energética
- Lipídios: Fonte concentrada de energia e ácidos graxos essenciais
- Eletrólitos: Sódio, potássio, cálcio, fósforo, magnésio
- Oligoelementos: Zinco, cobre, selênio, manganês
- Vitaminas: Hidrossolúveis e lipossolúveis
Cuidados de Enfermagem na Nutrição Parenteral
- Cuidados com acesso venoso:
- Preferência por acesso central para soluções hipertônicas (osmolaridade > 900 mOsm/L)
- Técnica asséptica rigorosa na manipulação
- Fixação segura para evitar deslocamento
- Inspeção frequente do sítio de inserção (sinais de infecção, infiltração)
- Administração:
- Uso exclusivo de bomba de infusão com controle preciso
- Verificação da solução (integridade, precipitação, separação de fases)
- Proteção da solução da luz (especialmente lipídios e vitaminas)
- Troca de equipos a cada 24h (lipídios) ou 72h (demais soluções)
- Monitorização:
- Glicemia capilar (inicialmente a cada 6h, depois conforme estabilidade)
- Balanço hídrico rigoroso
- Peso diário (mesma balança, mesmo horário, mesmas condições)
- Exames laboratoriais periódicos (eletrólitos, função renal e hepática, triglicerídeos)
- Prevenção de complicações:
- Infecção relacionada ao cateter (técnica asséptica, curativos conforme protocolo)
- Distúrbios metabólicos (monitorização, ajustes graduais na infusão)
- Colestase associada à NP (início precoce de nutrição enteral mínima quando possível)
Suporte Respiratório Neonatal
O suporte respiratório é uma das intervenções mais frequentes e importantes na assistência ao RN de risco. As particularidades anatômicas e fisiológicas do sistema respiratório neonatal exigem abordagens específicas e cuidados diferenciados.
Oxigenoterapia
A administração suplementar de oxigênio visa corrigir a hipoxemia, reduzir o trabalho respiratório e prevenir complicações da hipóxia. Deve ser criteriosamente indicada e monitorizada, considerando os potenciais efeitos tóxicos do oxigênio (retinopatia da prematuridade, displasia broncopulmonar).
Métodos de administração:
- Oxigênio ambiente (hood/capacete): Método não invasivo para necessidades leves a moderadas (FiO₂ 21-100%)
- Cateter nasal: Fluxos baixos (0,25-1 L/min), FiO₂ variável e difícil de determinar com precisão
- Cânula nasal de alto fluxo (CNAF): Fluxos mais elevados (1-8 L/min), fornece pressão positiva variável, aquecimento e umidificação
Cuidados de Enfermagem na Oxigenoterapia
- Monitorização contínua da saturação de oxigênio (manter alvo conforme idade gestacional e condição clínica)
- Verificação frequente de FiO₂ e fluxo (ajustar para menor nível eficaz)
- Posicionamento adequado do dispositivo (hood centralizado, cânulas permeáveis e bem posicionadas)
- Umidificação e aquecimento adequados (prevenir ressecamento de mucosas)
- Cuidados com a pele e mucosas (prevenção de lesões por pressão)
- Observação de sinais de desconforto respiratório (aumento de frequência, retrações, gemido)
CPAP Nasal (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas)
O CPAP nasal é uma modalidade não invasiva que mantém pressão positiva contínua durante todo o ciclo respiratório, prevenindo o colapso alveolar, reduzindo o trabalho respiratório e melhorando a oxigenação. É amplamente utilizado em prematuros com SDR, apneia da prematuridade e após extubação.
Dispositivos para aplicação:
- Pronga nasal: Mais comum, disponível em diferentes tamanhos
- Máscara nasal: Alternativa para prevenção de lesões por pressão (rotação com pronga)
- Cânula nasal modificada: Menor eficácia, mas mais confortável
Parâmetros usuais:
- Pressão: 4-8 cmH₂O (geralmente iniciado com 5-6 cmH₂O)
- FiO₂: Ajustada para manter saturação alvo
- Fluxo: 5-8 L/min (suficiente para gerar pressão desejada)
Cuidados de Enfermagem no CPAP Nasal
- Seleção do dispositivo: Tamanho adequado (ocupar 50-80% das narinas sem branqueamento)
- Posicionamento:
- Prongas bem inseridas nas narinas, sem pressão excessiva no septo
- Fixação segura com touca/faixas, evitando tensão excessiva
- Circuito apoiado para evitar tração
- Prevenção de lesões:
- Proteção do septo nasal e face com hidrocolóide/espuma
- Inspeção frequente de pontos de pressão
- Alternância entre pronga e máscara a cada 4-6 horas quando possível
- Manutenção do sistema:
- Verificação de pressão efetiva (coluna d'água ou manômetro)
- Drenagem de condensados no circuito
- Verificação de temperatura e umidificação adequadas
- Monitorização do RN:
- Padrão respiratório e sinais de desconforto
- Saturação e frequência cardíaca contínuas
- Distensão abdominal (pode indicar pressão excessiva)
Ventilação Mecânica
A ventilação mecânica invasiva é indicada quando modalidades não invasivas são insuficientes ou contraindicadas. Embora seja uma intervenção salvadora, está associada a complicações significativas, como lesão pulmonar induzida pelo ventilador, displasia broncopulmonar e infecções.
Principais modalidades:
- Ventilação Mandatória Intermitente (IMV/SIMV): Fornece um número predeterminado de respirações, permitindo respirações espontâneas entre elas
- Ventilação Assistida/Controlada (A/C): Cada esforço respiratório do paciente acima do limiar de sensibilidade desencadeia um ciclo ventilatório assistido
- Ventilação com Pressão de Suporte (PSV): Fornece suporte pressórico durante inspirações iniciadas pelo paciente
- Ventilação de Alta Frequência (HFOV): Utiliza volumes correntes muito pequenos em frequências muito altas (10-15 Hz), indicada em casos específicos como hérnia diafragmática, hipertensão pulmonar grave
Cuidados de Enfermagem na Ventilação Mecânica
- Cuidados com tubo endotraqueal (TET):
- Verificação de posicionamento (ausculta bilateral, radiografia)
- Fixação segura (evitar extubação acidental ou intubação seletiva)
- Marcação da medida na rima labial
- Aspiração apenas quando necessário, não rotineiramente
- Monitorização ventilatória:
- Verificação frequente de parâmetros programados vs. efetivos
- Alarmes adequadamente configurados
- Observação de curvas (pressão, fluxo, volume) quando disponíveis
- Monitorização de gases arteriais e saturação
- Prevenção de complicações:
- Pneumonia associada à ventilação (elevação da cabeceira 30-45°, higiene oral)
- Atelectasias (mudança de decúbito a cada 2-3 horas)
- Lesões por pressão (proteção de pontos de contato do TET e fixação)
- Barotrauma/volutrauma (comunicação imediata de alterações nos parâmetros ou condição do RN)
- Conforto e sedação:
- Avaliação sistemática da dor/desconforto
- Medidas não-farmacológicas (posicionamento, contenção facilitada)
- Administração de sedativos/analgésicos conforme prescrição
- Monitorização de efeitos adversos da sedação (hipotensão, depressão respiratória)
Técnica de Aspiração Endotraqueal
- Avaliação da necessidade: Ausculta de ruídos adventícios, secreção visível no TET, queda de saturação, aumento do pico de pressão
- Preparação: Higienização das mãos, equipamentos estéreis, sistema fechado ou aberto
- Pré-oxigenação: Aumento de 10-20% na FiO₂ basal por 30-60 segundos
- Inserção da sonda: Sem aplicar vácuo, até encontrar resistência e recuar 0,5-1 cm
- Aspiração: Aplicar vácuo intermitente durante a retirada (não mais que 5-10 segundos)
- Monitorização: Observar FC, saturação, cor, padrão respiratório
- Retorno aos parâmetros basais: Após estabilização, retornar FiO₂ ao nível prévio
- Documentação: Características da secreção, tolerância ao procedimento
Observação: Em sistema aberto, desconectar o RN do ventilador apenas pelo tempo mínimo necessário. Em prematuros extremos, considerar sistema fechado para minimizar perda de pressão e hipoxemia.
Atenção! A aspiração endotraqueal não deve ser realizada rotineiramente, mas apenas quando há indicação clínica. O procedimento pode causar hipoxemia, bradicardia, aumento da pressão intracraniana e trauma da mucosa traqueal.
Desmame Ventilatório e Extubação
O desmame ventilatório deve ser planejado e gradual, visando a extubação bem-sucedida e evitando a necessidade de reintubação. A prontidão para extubação é avaliada por critérios clínicos, laboratoriais e ventilatórios.
Critérios gerais para considerar extubação:
- Estabilidade clínica (hemodinâmica, temperatura, ausência de infecção ativa)
- Parâmetros ventilatórios mínimos (FiO₂ < 40%, PIP < 18-20 cmH₂O, PEEP 4-5 cmH₂O)
- Gasometria arterial satisfatória
- Drive respiratório adequado
- Ausência de sedação profunda
Cuidados de Enfermagem no Desmame e Extubação
- Preparação para extubação:
- Jejum de 3-4 horas (reduzir risco de aspiração)
- Aspiração de vias aéreas antes do procedimento
- Preparação do suporte pós-extubação (CPAP, oxigênio)
- Posicionamento adequado (leve extensão do pescoço)
- Monitorização pós-extubação:
- Observação contínua nas primeiras horas (sinais de desconforto respiratório)
- Ausculta pulmonar frequente
- Monitorização de saturação e frequência cardiorrespiratória
- Avaliação da necessidade de fisioterapia respiratória
- Prevenção de complicações:
- Estridor pós-extubação (corticoides profiláticos em casos selecionados)
- Atelectasias (fisioterapia, posicionamento)
- Fadiga respiratória (reconhecimento precoce de sinais)
- Reinício da alimentação:
- Avaliação da estabilidade respiratória
- Início gradual conforme tolerância
- Observação de coordenação sucção-deglutição-respiração
Referências Bibliográficas
- Gardner, S. L., Carter, B. S., Enzman-Hines, M., & Hernandez, J. A. (2016). Merenstein & Gardner's Handbook of Neonatal Intensive Care (8th ed.). Elsevier.
- Kenner, C., & Lott, J. W. (Eds.). (2014). Comprehensive Neonatal Nursing Care (5th ed.). Springer Publishing Company.
- American Academy of Pediatrics Committee on Nutrition. (2014). Nutritional needs of the preterm infant. In Pediatric Nutrition (7th ed., pp. 83-121).
- Sweet, D. G., Carnielli, V., Greisen, G., et al. (2019). European Consensus Guidelines on the Management of Respiratory Distress Syndrome - 2019 Update. Neonatology, 115(4), 432-450.
- Sociedade Brasileira de Pediatria. (2017). Diretrizes para a prática de nutrição parenteral e enteral em recém-nascidos pré-termo.